Me chamo Monique Ranauro, tenho 29 anos, sou mãe da Mia de 05 meses, casada com o Marcos e trabalho como fotógrafa.
Decidi escrever sobre minha depressão pós-parto pra aliviar as dores que a doença me trazia.
Acredito que o primeiro passo para se livrar dessa imensidão de tristeza e medo que a depressão nos traz, seja falar sobre ela
Escrevo essa carta diariamente e gradativamente por longos 04 meses e 16 dias, para ser exata.
Me faltou coragem pra publicar. Até ontem. Aliás, ainda falta.
Mas eu li tantas mensagens esses dias que segurei firme e me joguei. Estou aqui.
Vim por mim.
Vim por um pai que me mandou mensagem relatando que a esposa se matou, não aguentou a pressão emocional e ele cuida do seu filho sozinho.
Vim por uma mãe que quis matar seu bebê no puerpério, desistiu, não consegue conviver com essa culpa e hoje me escreveu dizendo que minha história encorajou ela à seguir adiante com a família que tanto ama.
Quantos sofrem em silêncio? O silêncio que mata, que acaba com a alegria...
O parto normal induzido e traumático, com 30 horas de bolsa rota não me privou de ser frágil. Forte? Quem?
Me sentia destruida, sabe?!
Não conseguia olhar minha filha dormindo que já pensava nas formas como ela poderia morrer. Pode engasgar, sufocar...E se eu dormir e não escutar?! E se ela morrer, que vestido vou colocar?
Nenhum cabe. Ela ainda é muito bebê... Mas eu morro junto! Preciso preparar minha roupa!
Cadê aquele amor avassalador que deveria nascer junto com a criança? Ela nasceu e eu só sabia ter alucinações e desespero.
Andei por exaustivos meses com um pijama velho e sujo de leite. Tirava pra lavar e vestia o outro, sem cor.
Eu não dormia. Passava o dia e a noite vigiando igual sentinela.
E nem esse cuidado exagerado me impediu de deixar a Mia cair do meu colo...
Cochilei enquanto amamentava.
Sofri várias alucinações. Após o parto, no hospital, e já em casa. Por sorte fui acordada pela bendita. Um grito absurdamente alto de uma criança grande, vestida de branco:
"Não! Não! Acorda!"
E quando me deparei com a cena da minha bebê chorando, mole, amparada pelos meus joelhos pontudos de criança magricela, eu morri. E ainda não renasci por completo até hoje.
Como eu pude me descuidar? Inadmissível!
Os pontos da epiosotomia doíam tanto que eu mal conseguia andar.
Defecar? Que tormento!
Pára de fazer força, cacete! Beba líquido. Coma mamão.
Pronto, Monique! Os pontos abriram mesmo contigo comendo até mato integral.
As paredes da casa sabiam de cór o som das minhas lágrimas.
Cantava pra minha filha a canção mais amarga e sem cor desse mundo enquanto ela era aninhada em meus braços sem aconchego.
As alucinações, o medo de perder a Mia, os remédios ingeridos, os cabelos que eram arrancados minuciosamente e diariamente por mim e em seguidas jogados no chão, as cabeçadas que foram dadas na parede às 17h, os tapas que dei em meu rosto enquanto me olhava no espelho repetindo como um mantra o quanto eu era péssima mãe por não estar feliz, os gritos no travesseiro, os arranhões que dei no braço enquanto a Mia chorava de fome porque meu leite não era forte, a dor de achar que fracassei como mãe porque meu leite secou aos 02 meses de idade da minha filha, o pânico de sair na rua, o ódio que tive da minha filha de 04 patas quando ela quis atacar a Mia acidentalmente ao vê-la gritando de cólica, a insônia, a perda exagerada de peso, a falta de apetite, as vezes que fiz meu marido chorar assustado, as visitas que eu proibi por medo de me acharem louca e acharam, o surto no casamento da minha irmã (não consegui ficar 1 hora na festa de casamento. Fui tomada por um desespero e uma tristeza imensuráveis), as vezes que virei os porta-retratos do meu casamento, os escondendo na intenção de não lembrar que eu ia destruir minha família se resolvesse partir...
Tudo isso matou a Monique.
Quantas vezes eu me matei?!
Olhava da sacada da minha varanda a chance de resolver minhas dores.
Meus medos? Ahh, esses poderiam ser resolvidos com inúmeras cartelas de remédio ingeridas de uma só vez.
Eu tive coragens absurdas! Insanas!
A morte te chama pelo nome mesmo, olhando nos seus olhos e sorrindo. Por duas vezes ela me seduziu. Faltou pouco! Quase me deixei levar se não fosse a criança gritando.
Minha nossa, como ela grita! Advinha a hora certa.
Nem deixa eu me matar em paz!
E quando eu ia olhar aquele bebezinho tão corado e pequeno clamando pelo calor dos braços da mãe, ela abria um sorriso canto de boca e sem dentes. Eu caía no chão e ficava ali, chorando de gritar, desejando que o chão se abrisse e eu puder partir.
E eu chorava tanto...
Me culpei tanto!
A Vida, filha de 04 patas, vinha e deitava colada em mim como se quisesse me dar um abraço.
O marido chegava do trabalho magro e destruído por dentro e me segurava tão forte com um abraço que eu desfalecia no colo dele. Perdi 20 kg. Marcos perdeu 12 kg. Perdemos tantas coisas.
Meu silêncio era constante. E quando abria a boca, era pra falar que eu não estava aguentando mais.
Os olhos do Marcos gritavam desesperados.
Minha mãe ligava chorando 24 horas com medo. Eu fui monitorada por 03 meses. Ligações e mensagens a cada 5 minutos.
As irmãs e as poucas amigas ficavam ali, chorando junto. E eu só sabia falar do quanto precisava que cuidassem da minha filha porquê eu ia morrer.
A dor era tão grande que eu não ia aguentar.
Eu aguentei.
Aguento.
Seguro firme na mulher de força que me tornei e não largo mais.
O cabelo agora cai sozinho por causa dos hormônios. As lágrimas de dor ainda insistem em dar as caras, mas é difícil elas aparecerem. A criança corada, pequena e indefesa tá crescendo e já sorri toda aberta!
É a "coisinha" mais perfeita do universo!
E eu tô aqui, do meu jeito, tentando ser melhor como mãe, mulher e ser humano.
Hoje acordo mais forte, mais mãe, com menos culpa, menos medo e disposta a encarar esse bicho de sete cabeças que é a maternidade.
Certa vez ouvi de alguém que os filhos crescem e voam. Que tudo passa rápido.
Eu sinceramente só espero que esse desespero que insiste em dar as caras "do nada" passe rápido e eu consiga aproveitar por inteiro cada momento único com minha família. Só isso que eu peço.
É pedir muito?
Se eu pudesse congelar o sorriso banguela da Mia, certamente eu faria.
Não há foto que registre a paz que sinto quando a Mia sorri. Todo medo vai embora, não existe mais dor. É um amor tão imenso... Não existe mais nada além dela naquele momento. Nada! Nem a mãe destruída e medrosa.
Não sou uma mãe que enlouqueceu. Sou uma mulher humana, sem super poderes que se tornou mãe e precisa somente de um tempo pra enfrentar toda essa (nova) emoção.
Eu preciso de todo tempo do mundo, sem pressa.