quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Para tirar a Zika! - Para as Gravidas! - Por Priscila Pyrrho

Olá!
Me chamo Priscila Pyrrho, tenho 35 anos, e sou Ginecologista e Obstetra por vocação e por paixão. Tenho um casal de filhos de 7 a 5 anos, e ser mãe foi fundamental para que eu me envolvesse ainda mais com o universo da maternidade e compreendesse, na pele, toda a ansiedade e a insegurança que surgem junto com esse período. Ultimamente parece que ser mãe está ficando cada vez mais difícil! Cada hora surgem mais motivos para dilemas e preocupações: é a amamentação, a mamadeira, a chupeta, a papinha, o agrotóxico, a creche, a babá, a volta ao trabalho, é isso, é aquilo outro... ufa! Cansa só de pensar!

E em meio a tudo isso, surge mais um motivo de polêmica e preocupação: a Zika.

A Zika é uma doença causada por um vírus, e que é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.

Muita informação confusa, sem embasamento, muitos boatos e polêmica tem envolvido a Zika e o surto de microcefalia recente no Brasil. Já ouvi pessoas afirmando que a microcefalia nada teria a ver com a Zika, mas sim com o estado de anemia severa da população do nordeste. Também já ouvi pessoas dizendo que tudo isso estaria sendo causado por um lote de vacinas vencidas e que o governo estaria omitindo informações sobre isso. Outros já me questionaram como teriam descoberto relação entre a Zika e a microcefalia só agora, se é uma doença que já existia em outros países anteriormente.

Pra responder essas questões vou ter que voltar um pouquinho no tempo...



Foi na Floresta Zika, em Uganda, em 1947, que se isolou pela 1ª vez o vírus da Zika em macacos, durante monitoramento da febre amarela. A primeira infecção humana foi notificada em 1952. Porém a doença só tomou notoriedade internacional após um surto entre 2005 e 2007 na Oceania, quando foi então verificado seu potencial endêmico, e em seguida o surgimento de outros casos em outros lugares do mundo. Em fevereiro de 2015 o Ministério da Saúde começou a receber um numero grande de casos de doença exantemática sem causa definida, de evolução benigna e resolução espontânea, nos estado da Bahia, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Paraíba. No final de abril, pesquisadores da Universidade Federal da Bahia anunciaram a identificação do vírus Zika. Depois disso, foi reconhecido a presença do vírus em 18 federações do país (áreas escuras no mapa), e em julho de 2015, foi comprovada a primeira síndrome neurológica relacionada ao vírus.

É impossível conhecer o número real de infectados pelo vírus Zika, pois é uma doença onde cerca de 80% dos infectados não apresentam sintoma algum, e grande parte dos infectados não procura nenhum serviço de saúde, dificultado ainda mais o conhecimento da magnitude da doença. Além disso, não há, até o momento, exames de qualidade ou quantidade suficientes para a confirmação da doença. Dessa forma, estima-se que, em 2015, o numero de infectados no país deva estar entre 500 mil a 1 milhão e meio.

Em outubro de 2015, o estado de Pernambuco solicitou apoio do Ministério da Saúde para investigar um surto de microcefalia na região, e este fez uma notificação à Organização Mundial de Saúde. Juntos com outros órgãos de investigação, aventou-se a hipótese de haver correlação com a infecção pelo Zika vírus, e em novembro, foi lançado um documento sobre o potencial de risco de microcefalia pós infecção pelo vírus. No documento consta o caso da Polinésia Francesa (o tal caso da Oceania que falei antes) que, também, teve um surto de microcefalia e malformações do sistema nervoso central, coincidindo com um período de epidemia da doença. Diante do documento, a Polinésia Francesa testou a sorologia específica em 4 mulheres cujos filhos haviam apresentado alterações, e identificaram positivo para Zika. Dai começou todo o bafafá!

A partir daí, se iniciaram uma série de testes e investigações clínicas, epidemiológicas e laboratoriais, que conseguiram identificar o vírus no líquido amniótico de gestantes, no tecido cerebral de fetos com microcefalia que evoluíram a óbito, e conseguiram elaborar a relação da doença exantemática nas gestantes com o aparecimento de alterações cerebrais no feto.

Dessa forma, ficou claro que o vírus da Zika, é de fato o causador do aumento de casos de microcefalia e lesões cerebrais atualmente identificados no país, e não por conta de vacinas vencidas nem por causa da pobreza e desnutrição no nordeste.

Agora vamos às perguntas que sempre me fazem depois que eu conto essa historia:

- Então é, realmente, perigoso pegar Zika na gravidez!?
R.: SIM. O Vírus da Zika, tem um tropismo, ou seja, uma preferência, pelo tecido do sistema nervoso, porém não se pode afirmar que a presença da Zika na gravidez leva, invariavelmente, à microcefalia. Assim como em outras infecções congênitas (ex: toxoplasmose, citomegalovírus), o desenvolvimento das anomalias pode variar de acordo com a carga viral, com a idade gestacional em que se teve a doença, com a imunidade da gestante, e com outros fatores ainda desconhecidos até o momento. Mesmo em fetos com o perímetro cefálico normal, já foram descritas outras alterações cerebrais, como calcificações parenquimatosas, hipoplasia de cerebelo, agenesia de vermis, ventriculomegalia, etc. Ou seja, não basta medir o tamanho da cabeça dos bebês, é preciso avaliação cuidadosa de todo o cérebro, sempre que houver suspeita da doença. Vale lembrar que a microcefalia relacionada à Zika é uma doença nova e que está sendo descrita pela primeira vez na história, baseada no que esta acontecendo no Brasil, então ainda restam muitas perguntas a serem respondidas.

- Qual o período da gravidez de maior risco pra gestante?
R.: Apesar do período embrionário (até 8 semanas) ser considerado o de maior risco para múltiplas complicações, sabe-se que o sistema nervoso central permanece suscetível a complicações durante toda a gestação, e a gravidade do comprometimento dependerá de uma série de fatores fetais e maternos. Tem-se cogitado também, a ocorrência de outras alterações, não neurológicas, relacionadas à Zika, como catarata congênita, cardite e aumento de timo, mas estas ainda necessitam de mais investigações.

- Existem outras causas de microcefalia? O que ela pode causar no bebê?
R.: Sim. Ela pode ser genética, pode ser causada por algum acidente vascular cerebral hemorrágico, pode ser por conta de outras infecções como sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, pode ser causada também por agentes externos como álcool, radiação ou diabetes materna mal controlada, e ainda pode ser grave e crônica desnutrição. A microcefalia pode causar epilepsia, paralisia cerebral, retardo no desenvolvimento, problemas de visão e audição, e até a morte. Cada caso deve ser avaliado e tratado, individualmente.

- É verdade que a Zika também pode ser transmitida sexualmente, pela saliva e pelo leite?
R.: Já foi identificada a presença do vírus na urina, leite materno, saliva e sêmen, porém não significa que sejam importantes vias de transmissão, já que não foi observada a replicação viral nesses meios.

- Existe tratamento pra Zika?
R.: Não existe tratamento específico pra Zika. Recomenda-se o uso de sintomáticos como paracetamol e dipirona para dor e febre, e no caso de erupções pruriginosas, o uso de anti-histamínicos. Não de recomenda o uso de AAS e outros anti-inflamatórios, em função do risco de complicações hemorrágicas.

- Como me prevenir?
R.: Evitando áreas de risco, usando telas nas residências e repelentes. Para as gestantes são recomendados aqueles que contém DEET-N, N-dietil-3-metatoluamida, e icaridina. A aplicação do repelente deve ser feita sempre por último, ou seja, depois de maquiagem ou protetor solar.

Bem, eu sei que foi muita informação e muita coisa técnica, também! Mas acredito que, neste caso, não temos muito como fugir dos termos usados na área medica. E, principalmente, espero ter ajudado a esclarecer algumas duvidas que as pessoas vem tendo sobre a Zika.

Mas lembrem-se: antes de acreditar em qualquer informação disponível na internet, pesquise a fonte para ter certeza de que é segura!

Esse texto que escrevi foi baseado no Protocolo de Vigilância e Resposta à Ocorrência de Microcefalia Relacionada à Infecção pelo Vírus Zika, do Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia, 2015. Então, se vocês quiseram checar a fonte, segue abaixo o link para acesso completo ao documento.

Agradeço à Renata pelo convite, pois gosto muito de poder ajudar e orientar as pessoas e se alguém tiver alguma outra duvida, fiquem a vontade para me enviar, através do blog ou da pagina do Playing Paradise no FaceBook. Terei prazer em ajudar!

Priscila Pyrrho

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